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         O que é aprender a ler ?Jean Foucambert
 
 
 1980 é o ano da leitura.  No entanto, todo mundo sabe, desde já, que nenhuma decisão importante será  tomada ; pois não existe nenhuma boa decisão para se tomar. Tudo leva a crer  que uma profunda evolução está ocorrendo. É considerável a defasagem entre, por  um lado, as idéias e práticas majoritárias, herdeiras do passado (cuja  ineficiência é cada vez mais problemática) e, por outro, os saberes novos, mal  difundidos, criadores de práticas desconcertantes, minoritárias, porém já  portadoras de soluções (ainda que a escola não esteja pronta para adotá-las). Artigo publicado em l'Éducatíon, 22 de maio de 1980. In “A leitura em questão”, de Jean  Foucambert, editora Artmed.Seria tão perigoso  escolher o statu quo quanto a mudanza ; e, no entanto, não há nenhuma  possibilidade de compromisso entre ambos.
 Com efeito,  contrariamente ao que André Inizan afirma, não houve nenhum acordo mínimo no  seminário e no colóquio. Ainda que as mesmas palavras tenham sido eventualmente  utilizadas, elas encobriram pressupostos muito diferentes. O recuo histórico  pode ajudar a entender a clivagem atual.
 Entre 1960 e 1970, a escola  confrontou-se com um problema de leitura que não conseguiu superar. Até essa  data, o saber-ler era quase que unanimemente confundido com a possibilidade de  se atribuir um significado ao escrito, transformando-o em oral — um pouco como  quando se acreditava que o conhecimento de uma língua estrangeira passava pela  possibilidade de entender uma mensagem graças à tradução, e de expressar-se por  meio da versão. Quando, porém, as exigências da comunicação aumentam, deve  desenvolver-se uma atividade de natureza totalmente diferente, pois a mensagem  é elaborada ou tratada diretamente na língua estrangeira.
 Vinte anos atrás, o saber-decifrar ainda podia parecer suficiente para 80% da população ; os outros, que  continuavam estudando, tornavam-se (ou, melhor, tornaram-se) leitores por  motivos alheios ao ensino a que foram submetidos.
 A vontade de  democratização do collège tornou claro que saber-decifrar não podia  confundir-se com saber-ler —e os professores ainda não se refizeram do  susto... As diferenças de eficácia no uso da escrita variam comumente numa  escala de 1 a  5 : mais ou menos como se um pedestre e um ciclista decidissem passear juntos ;  ainda que empreguem o mesmo vigor e façam o mesmo esforço, não percorrem a  mesma distância.
 A afirmação democrática  do tronco comum tornava necessário mudar o ensino da leitura ; escolheu-se  apenas melhorá-lo. Procurou-se a solução no aperfeiçoamento dos métodos  existentes, quando ela estava no abandono desses métodos ! Para um problema  diferente, uma solução diferente : a leitura não está além da decifração ;  desde o início, ela tem outra natureza.
 Desconsidero o fato que durante muito tempo pediu-se à  lingüística algo que ela não podia dar. Ela se preocupa em descrever a língua,  mas a leitura é um ato ; é algo como esperar que o químico que estuda a água dê  informações sobre natação. Assim, os pedagogos aproveitaram da lingüística  aquilo que não lhes perturbava o projeto ; pelo contrário, o reforçava. Na  escola, a leitura é presa de um corpo, apesar das nuanças, fundamentalmente  homogêneo, que combina os pressupostos históricos da decifração com a descrição  rigorosa das correspondências entre o oral e o escrito, feita pela lingüística.  Quanto menos se resolver o verdadeiro problema, o da leitura, maior será o  refinamento na sofisticação e no charlatanismo.
 Paralelamente, porém sem  relação com a escola, têm-se desenvolvido pesquisas sobre a leitura, graças a  fisiologistas, psicólogos, profissionais de informática, editores,  psicolingüistas, pesquisadores da formação de adultos etc. Esses trabalhos  internacionais, há alguns anos, chegaram a uma descrição das estratégias às  quais o indivíduo recorre para construir uma informação a partir da escrita,  descrição que torna definitivamente vã a esperança de formar leitores a partir  da correspondência oral-escrito.
 Todos pressentem a  necessidade de se abandonar a trilha conhecida e de se lançar numa aventura um  tanto preocupante.
 Afinal, não existiria  uma maneira de fazer, antiga, que permitisse mudar sem mudar de verdade ?  Talvez se adicionando um pouco de gesticulação aqui, um pouco de canções  rimadas acolá, um pouco de fonética, um pouco das tradicionais e já comprovadas  frases de cartilhas, umas falas aqui, mais falas ali...Não ? Realmente... ?  Então, será preciso dar o salto! Só que a mudança é profunda e supõe o  questionamento dos conceitos mais usuais : os parâmetros empregados na  avaliação do saber-decifrar não têm vez no saber-ler.
 No estágio atual das  coisas, as discussões sobre a escolha dos métodos são, ao mesmo tempo,  obsoletas e prematuras. A escola precisa de uma reflexão muito mais  fundamental, precisa entender o que é a leitura ; só então será fácil e  frutífero escolher. Acho possível provocar nos professores e nos pais uma  tomada de consciência sobre o que é a leitura, a partir de sua própria prática,  para derrotar as falsas noções que continuam sendo utilizadas como referências  para a ação educativa escolar e familiar.
 A  leitura é atribuição voluntária de um significado à escrita
 Todos sabem que há  diferença entre ver e olhar, ouvir e escutar... Ler não é apenas passar os  olhos por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito. Quem ousaria  dizer que sabe ler latim só porque é capaz de pronunciar frases escritas  naquela lengua ?
 Ler significa ser  questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser  encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa  construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é.
 Um poema ou uma receita,  um jornal ou um romance, provocam questionamentos, exploração do texto e  respostas de natureza diferente ; mas o ato de ler, em qualquer caso, é o meio  de interrogar a escrita e não tolera a amputação de nenhum de seus aspectos.
 Controlar  a leitura significa cumprir totalmente o seguinte processo :
 Relacionar a satisfação  proporcionada pela resposta com o custo da pesquisa realizada no texto.  Controlar a leitura significa obter informação sobre o questionamento inicial,  discutir as estratégias de exploração, medir o caminho percorrido ; significa  também formular um juízo sobre o escrito. A leitura só pode ser controlada  completamente dessa maneira pelo leitor ; de fora, um observador pode apenas  fornecer indicadores e dar uma opinião externa.
 Um grande número de  professores e pais acreditam estar avaliando a leitura das crianças quando  apenas medem um aspecto muito particular, hipertrofiado pelo ensino e que, na  verdade, está ausente dos comportamentos de leitura. No entanto, a preocupação  com aquilo que se costuma avaliar torna-se, por sua vez, o próprio objeto do  ensino e impede o desenvolvimento de autênticas estratégias de leitura.
 Ler  é explorar a escrita de uma maneira não-linear
 Por um sem-número de  motivos que não desenvolvo aqui, jamais se chega ao significado de um texto  pela soma do sentido das sucessivas palavras que o compõem. Por razões ainda  mais evidentes, não se aprende o idioma materno ou uma língua estrangeira  identificando-se cada elemento dessa língua. A criança aprende a falar porque,  a partir de uma situação que a envolve, atribui sentido a uma mensagem :  desprezando boa parte dos elementos expressos, ela atribui sentido aos que  considera mais significativos. Com base neles elabora, então, hipóteses sobre  outros elementos, até ali desconhecidos. O mesmo processo ocorre quando a  criança explora a escrita para atribuir-lhe sentido. Esse procedimento é  impossível, porém, quando se privilegia a passagem pelo oral. No oral é  obrigatória a pronúncia das palavras na ordem em que se apresentam. Não se  podem pular elementos desconhecidos, nem voltar atrás, para palavras já lidas,  cujo significado só foi esclarecido mais adiante. Nem se pode inferir as partes  a partir do todo. Esse processo de exploração do texto só é possível quando se  corre o risco de errar e quando se acessa o todo antes de cada elemento. Pais e  professores consideram um erro de leitura pronunciar “sapato” onde aparece  “calçado”. Que eles expliquem, primeiro, por que a criança não disse “calça” ou  “cadeira” ou “rinoceronte”...
 Aprender  a ler é, primeiro, adivinhar e, depois, cada vez mais acertar
 Desde o primeiro dia, o  desenvolvimento cognitivo da criança se opera pela inferência do sentido de  certos elementos de uma situação fortemente envolvente. A grosso modo, pode-se  afirmar que, a partir das situações nas quais interage, a criança cria um  sistema provisório que lhe permite antecipar índices pertinentes para a  classificação, a denominação, a ação... Os índices escolhidos para distinguir  um cachorro de um gato, para isolar seu pai de todos os outros homens com  bigode, são “operacionais” com relação ao seu sistema atual e ao seu projeto.  As defasagens, os fracassos, os conflitos ião levá-la a ajustar  progressivamente esse sistema.
 Aos cinco anos de idade,  o que a criança sabe fazer melhor — e que o adulto não consiga mais sequer  imaginar ! — é criar significado.
 Tudo o que ela entende,  tudo o que conhece foi construído dessa maneira por ela ; nada lhe foi dado por  ninguém. Mergulhada num meio de fala não-francesa, a criança é capaz de criar  significado e, em poucos meses, falará inglês, por exemplo. Ninguém se  surpreende que uma criança entenda uma palavra que jamais encontrou e que não  pode relacionar com sua língua materna ! Pois é isso o que ela faz desde o seu  nascimento. E faz o mesmo com a escrita de sua vida, de sua rua, de sua  televisão... Está pronta, portanto, para continuar na escola com a escrita que  lhe é apresentada. Mas, atenção! Aqui, a coisa é diferente : não se pode  adivinhar, é preciso ligar a escrita ao que já éconhecido, aplicando-se um  código que lhe é dado ou que ela descobre através de algumas frases  privilegiadas. Por quê ? Porque não se sabe e não se controla como uma criança  pode atribuir sentido a uma palavra que jamais viu... Ora, bolas ! Mas há cinco  anos ela faz isso com o que ouve ! Trata-se de um perito!
 A escola prefere  utilizar outros caminhos...
 Ler  é tratar com os olhos uma linguagem feita para os olhos
 Ler não consiste em  encontrar o oral no escrito, nem mesmo nos países em que a escrita, por motivos  muito pouco relacionados à leitura, tem uma correspondência aproximativa com o  oral. Tanto em nosso país como na China, a escrita é a linguagem que se dirige  aos olhos ; funciona e evolui para a comodidade dessa comunicação visual. A  correspondência aproximativa com o oral é uma característica suplementar, que  não afeta, porém, os processos de leitura.
 Pode-se sempre traduzir  do inglês para o francês, mas não é passando pelo francês que uma pessoa  bilíngüe entende o inglês. Ao justificar essa passagem pelo oral no aprendizado  da leitura, não se está pretendendo que é mais difícil distinguir com os olhos  do que com os ouvidos? Não se está afirmando que se pode abrir mão da  memorização das formas visuais, já que sempre é possível encontrá-las a partir  das formas orais ?
 Na escola, prefere-se  explorar a língua escrita sem apelar para a memória visual, centrando fogo no domínio  de um código de correspondência muito aproximativo ; depois lamenta-se que as  crianças não saibam ler e cometam erros de ortografia!
 Confunde-se  oralização, leitura e leitura em voz alta
 A oralização é a  atividade que permite constituir uma cadeia oral a parfir do escrito. Na  pedagogia da leitura, essa oralização supostamente permite atribuir sentido ao  que ainda não tem. É fácil mostrar que isso é muito improvável. Três palavras,  como “retém, balbuciam, quociente” só podem ser oralizadas depois de  reconhecidas e compreendidas. Esse recurso à oralização para atribuir sentido a  uma palavra nunca vista, no adulto (e na criança, se nós não insistíssemos que  ela o usasse) é a última de uma série de estratégias ; e, na verdade, nunca é  utilizada, por ser incerta demais.
 A leitura é a  atribuição de um significado ao texto escrito : 20% de informações visuais,  provenientes do texto ; 80% de informações que provêm do leitor ; o resto é  informação sonora...
 A leitura em voz alta  é um comportamento enxertado à leitura, defasado em alguns segundos : é a opção  de traduzir oralmente o que já foi compreendido na leitura. Não se lê latim  em voz alta ; no máximo, oraliza-se. A mensagem oralizada pode estar muito  próxima à mensagem escrita ; mas, na maioria das vezes, é diferente, seja pela  introdução de uma prosódia, de uma respiração não assinalada no texto, seja  pela mudança de certas palavras, pelo salto de passagens, pela busca de  informação no início do texto, pelo resumo de certas frases etc.. Essa leitura  em voz alta não é muito diferente de uma tradução. Em todo caso, é uma  interpretação ; o leitor faz mais ou menos o mesmo que uma pessoa bilíngüe :  ela diz em francês o que compreende do que lê em inglês. Entre os  olhos e a boca está o significado. A leitura em voz alta e muito mais complexa  do que a leitura e é difícil imaginarmos como ela poderia propiciar que alguém  aprendesse a ler...
 
 E o  código ?
 Código é o nome  abusivamente atribuído ao sistema abstrato de correspondência que se acredita  poder estabelecer, num determinado ponto, entre a grafia de uma palavra e sua  pronúncia. A escola supõe que, ao inculcar na criança esse sistema acabado, faz  dessa criança um leitor.
 Para falar, o adulto  necessariamente elaborou uma gramática do oral ; mesmo que não formule esse  sistema de regras inferidas de sua prática, é nele que o adulto reinveste para  gerar mensagens que nunca ouviu. Nenhum adulto, entretanto, teria a idéia de  ensinar tal sistema a um recém-nascido para torná-lo um falante ! Além disso, a  criança de quatro anos que, no embalo do jogo, distingue a carta “Você ganhou  duas fichas” da carta “Você perdeu duas fichas”, elaborou um sistema de índices  pertinentes a seu projeto. Pode-se até discuti-lo com ela e constatar que o que  a guia nessa distinção não é a marca escrita do que ela ouve. Quando encontra  “Você perdeu duas fichas”, por razões visuais ela precisa reorganizar sua  apreensão de índices.
 É um erro acreditar que  uma palavra nova é simplesmente somada às que a criança já conhece ; na  verdade, a palavra nova obriga todo o sistema a se reorganizar. Por extensões e  conflitos, por ensaios e erros, por equilíbrios e questionamentos, a criança  elabora um sistema que explica, teoriza e organiza suas práticas de leitor.  Assim como o adulto, a criança pode dominar o sistema teórico correspondente a  sua experiência apenas. E esse sistema que levará — progressivamente, porém, e  através do confronto com a teorização do oral — a um sistema mais real da  língua da qual o “código” não é senão uma parte. Mas não antes dos doze ou  quinze anos. E desde que ela já saiba falar e ler...
 Na verdade, o problema  do código remete à relação existente entre aprendizado e ensino, na qual fica  evidente a necessidade dos mesmos questionamentos. Como e quando a criança  aprende ? Só quando e apenas por que é ensinada ? Propõe-se a ela que reinvista  seu novo saber em situações reais, sem simulações ? Aplicam-se “instrumentos”  necessariamente diferentes das intervenções usadas para ensinar-lhe?
 Essa reflexão,  inseparável daquela sobre a leitura, leva a transformações muito mais radicais  da escola, que solapam as crenças de alguns. Sem dúvida, indefensáveis no plano  teórico, certas posições pedagógicas sobre leitura, podem ser interpretadas  como temor de questionar a priori muito  sensíveis. Ocorre o mesmo com o estatuto da criança, com o estatuto do saber.  Se é verdade que não há como aprender se não for lendo, muitos valores seguros  pelos quais vivemos podem perder seu brilho...
 No início deste artigo  escrevi que neste momento nao podia haver decisões oportunas para ajustar a  atual correlação de forças. No entanto, são desejáveis medidas que permitam o  amadurecimento das idéias e o melhor posicionamento dos professores, para que  façam suas próprias escolhas. Os problemas de leitura têm causas muito  profundas, mais profundas do que a própria escola, e as evoluções serão  necessariamente precárias e lentas. Até as medidas aparentemente mais positivas  não surtirão efeito se não proporcionarem, primeiro, o domínio da mudança por  seus artesãos.
 
 Na  formação dos professores
 Sem falar nas medidas  gerais para a formação permanente (inicial e contínua), que ajudariam os  professores a viver com as crianças no meio social, ao invés de confiná-los à  regência das aulas na classe, pode-se indicar eixos específicos para a leitura.
 
 Fornecer informação  aprofundada sobre leitura :
 Confundiu-se a descrição  dos métodos pedagógicos com a informação sobre leitura. Os professores são  profissionais que saberão fazer as escolhas que lhes convêm desde que tenham  acesso à informação teórica que lhes está faltando hoje em dia.
 As pesquisas  internacionais sobre os processos psicológicos e fisiológicos da leitura, bem  como os estudos de psicolingüística permitem traçar um quadro, ainda  provisório, porém muito coerente, do leitor e do modo como tornar-se leitor. A  Associação Francesa pela Leitura coordena atualmente a elaboração de uma  bibliografia sobre esses trabalhos e seu colóquio de fevereiro de 1980 esboçou,  de maneira convincente, o que pode ser a contribuição fundamental das  pesquisas para a reflexão dos pedagogos.
 É indispensável que o  currículo da formação inicial dos professores e os estágios de formação  contínua dediquem espaços significativos a essa informação, que está  disponível, porém não é divulgada.
 
 Dar uma formação de  leitor :
 Exige-se dos professores  de educação física um nível alto de desempenho, para que sua reflexão se apóie  na teorização de sua própria experiência. O mesmo deve ocorrer com os  professores do ensino fundamental. Estágios para treinamento e aperfeiçoamento  da leitura permitirão que os professores entendam melhor os processos  envolvidos nela e no seu aprendizado ; com base nessa sua prática de leitura,  eles poderão escolher as melhores intervenções de ensino junto às crianças.  Muitas das perguntas angustiadas sobre o que deve ser feito quando não se  ensina mais a oralízação deixam de existir quando os próprios professores  dominam tais aspectos técnicos.
 
 Tornar conhecidos os  diferentes textos disponíveis :
 A escola deve ajudar a  criança a tornar-se leitor dos textos que circulam no social e não limitá-la à  leitura de um texto pedagógico, destinado apenas a ensiná-la a ler. Então, é  preciso conhecer esses escritos sociais ! A formação dos docentes deve  priorizar o conhecimento sobre os escritos utilizados pelas crianças, bem como  a observação das estratégias que as crianças utilizam, quer diante dos  programas de televisão, dos textos da rua, da publicidade, quer diante dos  jornais, das histórias em quadrinhos, dos manuais de instrução, dos  documentários, dos álbuns, da ficção etc.. Deve-se almejar, pelo menos, uma  formação comparável à dos bibliotecários especializados em publicações para a  juventude, sem mencionar sua permanente atualização.
 Evidentemente, o  professor do ensino fundamental deve ser um perito em textos para crianças, o  que evitará a escolarização desses textos — poisa leitura não é tarefa apenas  da escola. É por isso também que a formação dos professores deve incluir  contatos com os pais, com bibliotecas de bairro e de empresa, com associações,  de maneira a estabelecer intercâmbio entre as ações de informação e formação.  Essas ações já existem em certas escolas normais, o que comprova que elas são  possíveis. Devem ser estendidas, aprofundadas e sistematizadas, pois a leitura  não é uma “opção” es colar. Não há dúvida de que os profissionais partilharem a  informação teórica fundamental, resultante das pesquisas em curso, é o meio  mais rápido de modificar as práticas pedagógicas. As práticas atuais são  mantidas apenas porque joga-se habilmente com a ignorância e com a culpa.
 No nível geral da escola
 Não é na sala de aula,  mas no estabelecimento (melhor ainda, nas estruturas comuns ao jardim de  infância e à escola elementar) que se situam as modificações mais desejáveis.
 
 Definir uma política  coerente para o ensino fundamental :
 Definir o saber-ler, definir  os meios para sua avaliação, propor as estratégias a serem implementadas,  assegurar a coerência e o acompanhamento durante um período de seis anos — essa  política para a leitura é de responsabilidade da equipe docente, em seu diálogo  com o meio circundante.
 Assim, é possível usar  melhor os meios materiais e as competências de cada um, facilitar os avanços  por meio de ações de formação, sem arriscar-se numa aventura e sem constranger  os indivíduos. Isso implica em lançar-se numa evolução que se sabe longa e que  deve ser coordenada na escola, sob pena de ser perigosa. Significa ainda  assumir a responsabilidade coletiva de situar sua prática individual num  processo de conjunto...
 
 Criar um centro de  circulação e produção :
 A biblioteca-centro é  esse local coletivo de circulação e produção da informação, de animação e  consulta da escrita.
 Com uma classe a menos  do que o número de docentes da escola e com o livre acesso das crianças à  biblioteca, permite-se que o professor que não está regendo uma classe esteja  disponível para diversificar e ampliar os encontros das crianças com a escrita  e os atos de leitura daí resultantes, bem como para coordenar as ações individuais  que constituirão a política geral da escola — e essa responsabilidade pode  mudar a cada ano.
 A criação de uma  biblioteca-centro-de-documentação é um passo também em direção à reorganização  da escola em bases diferentes da atual equação :
 1 professor = 1 sala de  aula = 1 grupo permanente de crianças com a mesma idade, reunido durante um  ano.
 
 Criar dois ciclos de  três anos :
 No nível da escola, uma  política global deve substituir a sucessão das seis séries do ensino  fundamental (De 6 anos a 11 anos) por dois ciclos de três anos, sem qualquer  possibilidade de bifurcação ou repetência dentro de cada ciclo. Essa nova  organização supõe :
 a) a definição de  objetivos a atingir no final desses ciclos ;
 b) a rejeição de uma  progressão no ensino ou de um ritmo pré-estabelecido de aquisição ;
 c) a opção pela  heterogeneidade, que só tem sentido se predominarem as interações entre as  crianças ;
 d) a busca por uma  individualização nas intervenções de ensino.
 Essa organização por  ciclos pode se dar se um docente acompanha um grupo de crianças durante três  anos ou se convivem no mesmo grupo crianças das três faixas de idade.
 Em cada escola, essas  medidas não supõem meios especiais, ainda que certas derrogações facilitem sua  implementação. Não constituem também mudanças que comprometam irremediavelmente  o futuro, pois abrem os caminhos que a escola deverá percorrer gradativamente,  mesmo que para outros domínios além da leitura.
 
 Ao  nível da sala de aula
 Chegamos à escolha mais  precisa das ações pedagógicas. Estas devem ser inventadas a partir a reflexão  coletiva da escola sobre o que é a leitura e o que é o aluno.
 Esse esforço de invenção  pode ser ancorado na análise crítica das práticas atuais. Reproduzo, pois, a conclusão pedagógica de Frank Smith em  seu livro Cornment les enfants apprennent à lire.
 
 As observações dos psicolingüistas  indicam pelo menos 12 maneiras simples de tornar difícil a aprendizagem da  leitura :
 1. Estabeleça como meta  o domínio precoce das regras de leitura.
 2. Cuide bem para que fonética seja aprendida e utilizada.
 3. Ensine as letras ou  as palavras, uma a uma, certificando-se de que cada letra ou palavra foi  assimilada antes de passar para a seguinte.
 4. Defina como objetivo  principal uma leitura palavra por palavra perfeita.
 5. Não deixe as  crianças adivinharem ; pelo contrário, exija que elas leiam com atenção.
 6. Procure evitar de  todas as maneiras que as crianças errem.
 7. Dê um feed-back imediato.
 8. Detecte e corrija os  movimentos incorretos dos olhos.
 9. Identifique os eventuais disléxicos e trate-os o mais cedo possível.
 10. Esforce-se para que  as crianças apreendam a importância da leitura e a gravidade do fracasso.
 11. Aproveite as aulas  de leitura para melhorar a ortografia e a expressõo escrita ; insista  também em que os alunos falem a melhor língua possível.
 12. Se o método  utilizado não lhe satisfizer, tente outro. Esteja sempre alerta para achar material  novo e técnicas novas.”
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